sexta-feira, 24 de junho de 2011

Reconstrução, parte 01.

Diário de Conrado, 24 de Junho de 2041.

            Nasci em noventa e um. Atualmente tenho trinta anos, casado, três filhos. Uma menina, um menino e outra menina. Se forem filhos da mesma mãe é uma questão insignificante. A primeira tem dezesseis anos, branca, cabelos castanhos, rosto de quem está perdendo a inocência - Marília. O segundo, negro, treze anos. forte, rosto de indagações - Bruno. A última, pequena, caçula, branca, seis anos, loira, rosto de quem acredita - Nalanda. Fui casado algumas vezes, amei somente uma e então é engraçado como a vida nos faz rir, para não chorar.
            Marília nasceu da qual amei. Conviveu com ela até seus dez anos, quando nossa casa fora assaltada e, em ação de proteção a cria, a minha belíssima Valéria reagiu obtendo como resultado sua ausência em nossa família. Não é necessário descrever o drama e traumas que isto causou a mim, em Marilia. Mas, tudo passa (fingimos superar). O incrível foi uma carta que recebi das mãos de um policial:

            “Querido irmão,
Sei que sua vida anda confusa com a falta de sua esposa e por ter que, finalmente, acertar as contas com sua filha. Queria poder ajudar-te, mas não posso. Há tempos guardo um segredo: a amava. Valéria conquistou não só você, mas a mim e várias outras pessoas e o que não posso fazer é fingir estar bem ao seu lado quando na verdade quero quebrar todos copos em casa e te dizer que você não a protegeu. É o que sinto, desculpa. Outro problema é meu filho, o Bruno. Ele está crescendo ao lado de uma maníaca depressiva, você sabe muito bem que este sempre foi meu medo. Minha psicóloga não ajuda, os remédios não fazem efeito. Peço que cuide dele, portanto.
Estarei bem e mandarei um abraço seu para Valéria,
                                                                                                          Tatiane”

Minha irmã, Tatiane, suicidou-se. Deixou o filho dormir na casa de um amigo e foi encontrada já morta, sem esperanças, as oito da manhã após a van da escola chegar e nada ouvir de gritos apressados e fechaduras sendo abertas. Os vizinhos perceberam a falta de música e cheiro de velas naquela manhã. O filho foi para a escola com seu amigo, sendo recebido pela psicóloga educacional.

***

Cresci em uma sociedade estranha. Nasci e tudo começou a ficar estranho. Não sei dizer o que houve antes do meu nascimento, e após. Todas informações que temos ficam soltas, sabemos o que houve, mas não quando. Esquecemos de tantos outros acontecimentos, nos tornamos indiferentes. Vivemos em uma época de conflitos e contradições. Idolatramos John Lennon, acreditamos que tudo que precisamos é amor – não amamos. Queremos um mundo não melhor – não mudamos.           
Adolescentes usam drogas, se dizem alcoólatras e sente orgulho de si mesmas por isso. Idolatram sexo com desconhecidos e dizem que as prostitutas são vagabundas que não merecerem respeito, que não tem dignidade e valor/amor a si próprio. E eu? Pergunto-me a diferença entre tais adolescentes e as prostitutas – ou melhor, prefiro a segunda. Crianças arrogantes, depressivas e egoístas (explicam a raiva dos outros por elas como inveja!) Portanto, isso não afeta minha vida enquanto fico fora de redes sociais e suas esperanças de mudar o mundo real virtualmente. Irrito-me ao ver telejornais, violência gratuita. Roubam aqui, matam lá; estrupam em todo lugar. E vão presos para serem traumatizados e são libertos para tirarem nossa liberdade e direito. É tudo uma contradição. Não consigo culpa-los por todas suas atitudes pois todos temos um passado – é tudo sempre culpa da educação que tivemos, das chances que não tivemos. Ou seja, da sociedade. Quem disse que tem de haver pessoas ricas, e outras pobres? Porque não podem distribuir igualmente os benefícios e malefícios do planeta? Quem está vigiando os atos de nossos governantes?

Eu.