domingo, 5 de dezembro de 2010

Pequena Ficção da Vida Real

Estou completamente em outro mundo. Por aqui há montanhas verdes e escuras. Mais há frente, prédios, torres. Pessoas negras, brancas, pardas. Brasileiros, americanos, francesses, chineses. Nesta época do ano vejo luzes de natal, enfeites de natal. Tudo brilha, tudo é cores. É São Paulo. Em sua diversidade e espírito natalino. Mas não se precipite! - sei como é impossível não amar São Paulo, mas para qualquer lugar que vá, é outro mundo. Neste mundo tu não conseguiras me acordar com beliscos ou mordidas. É lindo, mágico. Esquecer do mundo, de tudo e todos sendo amáveis ou odiáveis. É encantador. Principalmente pelas mentiras. Poder ser outro, digo. Misturar verdade com ficção. O real com o desejado. Agir totalmente inverso do que seria.
Eliane. 17. Praticamente casada. Um filho. 1. Menino. Francisco. Trabalho. Não, não penso em estudar. Quero, o problema é saber certamente esse querer. Atualmente em uma papelaria. Ele está com o Renato. Ah, desculpe-me, meu noivo. Desde sempre, oficialmente semestre passado. Idade nada diz, importante é sentir. Família está longe, é o motivo pelo qual vim. Turista? Não, não. Moro aqui faz umas semanas. Exatamente pra fugir da família e amigos antigos. Me faziam mal. Estou ótima, tenho a minha família agora. Saudade sempre sentimos, arrependimentos é escolha. Tenho, claro, mas nada que me faça chorar toda noite. Não sou forte, não demonstro o que sou. As conclusões são suas, deles - elas não me importam. É, talvez eu esteja somente mentindo para mim mesma. Mas, e você?
O problema em mentir são os ideais - principalmente se é um desses idealistas revolucionário e que enchem o saco. É necessário atuar, e isso não é para qualquer um. Primeiramente por não conseguir convencer o ouvinte. Segundo, por poder enganar até a si. Mas, vale o risco. Vale pela diversão. Você me acha ridícula, não? Sei o quanto odeiam ser menosprezados - é inaceitável falar mal da raça humana até em redações! Mas, é, é a minha diversão. Sacanear o mundo porque fui sacaneado? De jeito nenhum, sacanear o mundo porque ele merece.
*"Para mim, sacanear o mundo é a solução, a panaceia contra o tédio. Implicar, provocar, exasperar os hipócritas, os desclassificados, os intolerantes, os pretensiosos sem razão, os vizinhos, os burqueses, os pães-duros, os mitômanos, os medíocres incuráveis, aqueles que falam de política, aqueles que tratam as garotas como putas porque não conseguiram transar com elas, aqueles que criticam os livros que não leram, aqueles que esfregam o dinhero deles na cara dos empregados, aqueles que detestam a política, e chega, basta os piores."
Não, não sou assim. Só fingi. Eu poderia ser, eu quis. E estava indo bem, te juro. Mas pra que? Não minto. Nem em viagens. Sou um desses idealistas revolucionário, não sei fingir futilidade. Mas há graça em sair da realidade. Há salvação. Ir para outro mundo estando com os pés em casa, sem querer ser convencida, é minha especialidade. Caso contrário, da onde extrairia minha alegria?
*"A sociedade sofre, e eu sofro com ela."
* trecho tirado do livro Hell Paris 75016, de Lolita Pille.