quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

cap. 23, pág. 64


Nunca Me apresentei; E era o que deveria ter feito logo no começo, afinal, ninguém sai falando de um sonho para qualquer um. Nomes, idades e até sorvete preferido tem que vir primeiro. Mas Eu não tenho nome – não gosto desse lance; não tenho idade – não sou vampiro; não tenho gosto para comidas – só para humanos. Aí que está: Eu não sou. Já conhecestes alguém que não é? Já o viu? Ao menos, o sentiu? Sentir, assim, quando Ele passou ao teu lado na rua daquele sábado ensolarado, e fez com que seu olhar fosse direcionado a somente Ele? Ou Ela. Quando estamos por perto, qualquer um percebe, seja homem ou mulher o observador. Seja homem ou mulher o Observado. Na verdade, o Observado – que nunca, e repito, nunca, para de observar – não se importa em nascer homem ou mulher. Em olhar para homens ou mulheres. Em transar com homens ou mulheres. Seres como Eu, ligam para mais o fato desse capítulo ser justo o número 23 – igual do filme, 23. Nós gostamos de Hospitais. Quanto mais cheios, melhores. Sempre estamos por lá, seja para consulta, seja para observação. Aquele lugar cheio de gente, andando de um lado para o outro, esperando. Aquela aflição, esperança, medo, nervosismo, tristeza, surtos, alegrias e até calmarias ás vezes. A melhor parte é quando chega uma ambulância, quando os médicos começam a correr e a gritar: Ataque cardíaco, mulher de 79 anos, na sala de emergência 12. Correria total. Médicos por todos os cantos, familiares entrando em pânico, desconhecidos dando um jeito de olhar e meus olhos brilhando. É a vida. Sentir a vida. Traz paz. E não como: ainda bem que não é comigo – como vocês pensam; é como: estarei ansioso para chegar a minha vez. Mas poucos de nós somos médicos. Primeiramente porque não é para salvar seu corpo que estamos por aqui. Segundo porque muitos de nós fazemos o inverso do que deveria acontecer, e nos tornamos um de vocês. E está cada vez mais difícil saber quem somos. Até hoje não sei ao certo se vi alguém assim, como eu. Nascemos em uma família qualquer, temos corpo de humano, nome de humanos e se nos envolvermos muitos, sentimentos de humanos. Sentimentos é o que atrapalha, por que, uma hora outra, desejamos ser e sentir e não pensar, por um segundo ao menos, não pensar. Ser normal. Quantas vezes já chorei de raiva por não ser simples? Pra falar a verdade, somente uma. Mas veio com o desespero. Desespero que surge lá do fundo. Um medo incontrolável. Vontade de desistir e falta de coragem para agir. Mas, vocês não conseguiriam entender nada disso. Por mais que se identifiquem, não é igual. O maior problema é a observação. Estamos aqui somente para isso, e ás vezes, temos que perguntar. Mas, ninguém gosta de responder às minhas perguntas.
Porque eu?
Nem eu sei o porque. Ás vezes esqueço que não sou um de vocês, ás vezes torço para ser um de vocês, só para poder ser amado de um jeito normal. Eu sei o porquê, só preferiria não saber.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A festa, as cores e o rapaz.


Estava no começo da minha juventude: 18 anos. Algumas coisas haviam mudado e não acreditava como me deixavam comprar bebidas sem haver uma expressão de ‘sério?!’, apesar de muitas vezes escutar o comentário: ‘mas tem carinha de 12!’. Normal.

Porém nesse fim-de-semana haveria uma festa, dessas de homens de terno, músicas calmas no começo e DJ no fim. Minhas amigas estariam todas ocupadas com vestibulares e família, mas criei coragem para ir sozinha – fazia tempo que queria saber como é ir em lugares lotados sem ninguém conhecido por perto, enchendo o saco. Havia colocado um vestido longo preto e decotado – claro, com uma sandália igualmente preta. Gostava de usar preto por ser tão branca, a diferença me encantava.

Cheguei tarde na tal festa, como queria, e logo observei quem estava por lá: ninguém que conheço... Tinha conseguido o convite pela tia da Bárbara, da high society. A Bárbara, enfim, estaria por lá, mas teria obrigações de parente da anfitriã.

Andei em volta do salão e vi que havia um espaço aberto com flores, pedras e um chafariz. Mas não cheguei a ir, estava um vento frio e o bar era do outro lado e virando para a direita, vi a Bárbara chegando com um sorriso no rosto:

- Ah que bom que você veio! Pelo alguém de quem eu realmente gosto está aqui! – Dois beijinhos no rosto – E como você está? Tá linda viu? As outras meninas não puderam vir né, véspera de vestibular é bem complicado, mas espero que você goste da festa mesmo assim!

E sem conseguir responder a nada, ela virou e foi cumprimentar o primo. Eu segui meu caminho rumo ao vinho.

O balcão formava um quadrado dentro do salão, dentro havia as bebidas e os bar-man. Fora ficavam os bancos, no qual me sentei e mudando de idéia pedi uma batida de vodka com morango, a entrega fora rápida. Virei de costas para o bar a principio de ver as pessoas... Mulheres, vestidos; homens, terno. Sério, tinha cada roupa feia nesse lugar. Meninas da minha idade usavam vestidos azuis, florescente! Eu ri, principalmente quando vi duas delas vestidas igualzinhas, mas acabou ficando chato de se ver e voltei a mexer no meu copo.

*

As horas passaram e o jantar já tinha sido servido – eu comi tudo que não me deu nojo... Comida de rico é estranha: lagostas e polvo não eram muito agradáveis. Fiquei no básico arroz, strognoff, salada e outras coisas que não sei o que era. Sentei na mesa onde tinha o meu nome e conversei com as pessoas ao lado por no máximo dez minutos – que foi o tempo de comer e arrumar uma desculpa para não ouvir mais o rapaz ao lado falar.

Voltei ao meu lugar e quando pedi um copo de refrigerante, se intrometeram:

- Refrigerante? Com tanta bebida de graça?

- Né, pois é.

- Já bebeu de mais?

- Também.

- Acontece.

E sentou do meu lado, o que me fez olhar para seu rosto. Cabelos pretos, olhos pretos, pele branca. O que me fez olhar para seu corpo. Terno, sapato, proporcional a face. Era um homem, uns vinte e cinco anos, aparentava ser bem decidido, sucedido, confiante. Sorri, e logo virei para receber meu refrigerante enquanto davam á ele o uísque.

Tomou-o em um gole, nada mais pediu e continuou lá. Eu ficava rindo, e ele olhando para mim.

- Gosto do seu cabelo, não é preto.

...

- Afinal, que cor é essa?

- Tentativa de vermelho.

- Uau, fracassou legal hein.

- Cala boca.

- Haha, mas poxa...! – ficou de frente para o meu lado. – Eu ainda assim disse que gostei do seu cabelo.

- É, valeu.

Da outra sala veio o som da música,lenta. Ele olhou para o chão. Eu tentava demonstrar que não o via. Olhou para mim e riu.

- Quer dançar?

Olhei para ele, roubei o uísque que ele havia pedido.

- Eu não tenho idéia de como se faz isso, querido.

- Vem logo. – me pegou no braço fazendo o banco girar e segurou minha mão. Levantei quase caindo e lá fomos nós, “dançar”.

Não conhecia a música que estava tocando, bossa-nova me parece, mas não importa também. Logo que chegamos ao salão ele segurou minhas mãos, olhou para mim olhando para ele, puxou-me para perto e começou a mexer os pés e eu tentando acompanha-lo. Pisei no pé dele várias vezes, de propósito. Subi em cima dos pés dele por vontade própria, mas logo desci. O salão não estava tão cheio, só com alguns casais lá do outro lado.

“Dançamos” mais um pouco, até quando pisei no pé dele, de novo, e acabei por me apoiar na parede. Ele me segurou pela cintura, nos olhamos e nos beijamos. Sua mão continuava em minha cintura, a outra estava em meu pescoço. Eu o abraçava e mexia em seu cabelo. Ele começou a descer, beijar meu pescoço e descer para meus seios. Colocou a alça do vestido para o lado, abaixou um pouco o pano preto que tampava meu corpo, e logo viu meu sutien azul não-florescente e de renda.

- Aqui não.

Com tudo no lugar, fomos mais adiante, naquela parte de flores, pedras e chafariz. As pedras no chão formavam um caminho, ao lado dela havia as flores e árvores e antes delas, tinha o chafariz, depois das pedras, tinha uma casa. Bem pequena, de criança brincar. Ao caminho dessa casa, o vi. Bem ali, ELE. Que infernos ele estava fazendo lá? Já tinha me tido que não gostava de tirar a liberdade das pessoas de terem outras. Que me queria, mas também adora a intensidade de uma paixão desconhecida; Ele me viu também, sorrimos e ele sumiu. Entrei na casinha com o Vinte E Cinco Anos um tanto abalada pelo encontro. O Vinte E Cinco Anos colocou-se a minha frente e perguntou se estava tudo bem.

- Claro. - Sorriu, acariciou meus cabelos e me beijou.

A casa não era tão pequena, não era de criança brincar – não sei nem porque a fizeram bem lá. Mas não havia mais ninguém á menos de cinco metros de distância. E havia também uma cama. A casa era inteiramente branca, por fora e por dentro. Não havia uma porta de entrada, logo era a sala e ao lado um ‘quarto’, onde estava a cama, também branca. Não havia portas – a não ser a do banheiro. E enquanto eu estranhava tudo isso, o Vinte E Cinco Anos me puxou pela mão, me pegou na cintura e recomeçou com os beijos. Recomeçou no pescoço, nos seios enquanto eu desabotoava sua calça, tirava seu paletó, arrancava a gravata. Logo estávamos somente com de roupa íntima e nos olhamos sem fôlego, sem entender e sorri; sorrisinho de lado, safado. Ele adorou e estávamos na cama, cada vez mais sem menos fôlego, cada vez mais sem entender, cada vez mais sem pensar.

O desconhecido, o passado ali presente e o perigo deixaram tudo excitante, intenso. Logo estávamos deitados, olhando para o teto branco.

- Tenho que ir.

- Me liga.


Ele sabia que não tinha seu telefone, nem ele o meu.